Painel do Mundo
Por Luiz Oliveira (27/06/2025)
Mística, ciência e um pouco de diversão

Outro dia me peguei pensando nos rituais que fazemos antes de iniciar qualquer atividade. É assim na vida, quando precisamos fazer aquele café para começar o dia. Tem quem é mais prático ou não pode demorar muito. Tem aqueles que gostam de moer o grão, passar o café no coador e ver as notícias enquanto desfrutam de uma xícara. No esporte, é vasto e diversificado o número de rituais. Desde religiosos de todos os tipos até aqueles famosos, como Hortência respirando fundo antes do lance livre no basquete, Nadal e todos os movimentos antes do saque no tênis ou, para citar um dos grandes do nosso esporte, Dennis Albarello com os olhos nivelados à mesa por trás do gol.
Minha filha me ensinou que para uma criança ser mais tranquila, é necessário rotina. Esta traz previsibilidade e, por consequência, impõe limites à ansiedade. Nosso cérebro precisa de caminhos conhecidos para executar ações repetitivas com precisão e há certo tempo dedico parte do meu ritual a diminuir a quantidade de decisões que tomo antes de um torneio. Isso se chama redução de carga cognitiva, ou seja, quanto mais decisões, mais cansativo se torna. De certa forma, também ganho a vida reduzindo decisões das pessoas. Como
designer de experiências, é meu papel ajudar todo mundo a executar tarefas de forma simples e eficiente em serviços digitais. Isso também envolve tomar menos decisões.
Durante um dia inteiro de torneio, podendo chegar a 13 jogos aqui na 12 toques de São Paulo, qualquer economia vale a pena. Sendo assim, tomo minhas decisões no dia anterior e deixo tudo pronto para que pouco tenha a fazer antes de chegar ao local do evento. Isso implica até em escolher previamente o café da manhã, normalmente feito em alguma padaria escolhida ou conhecida. Gosto da sensação de tranquilidade que simples decisões já tomadas me dão. É um pouco da previsibilidade da rotina. Uma repetição necessária. Um tipo de ritual que cada um faz de um jeito.
No último torneio paulista, repeti exatamente todos os passos de sempre. Porém, por um acaso do destino, acrescentei uma etapa. Percebendo o número desgastado em um dos botões, resolvi levar a cartela de números na mala. Na missão de procurar por elas, abri a gaveta e vi algumas das medalhas que ganhara anteriormente e penso: "hoje eu vou trazer outra dessas para casa". Repeti a frase com frequência durante todo o dia. Para mim e para quem me perguntava como eu estava indo durante o torneio.
Sempre briguei muito para me concentrar. É uma batalha antiga, para além das mesas e que o botão me traz lições para a vida. Jamais imaginei jogar mata-matas com o nível altíssimo de concentração que havia alcançado, a ponto de chegar na final hiperfocado, ou seja, passando do ponto saudável. Joguei sem ver quem estava no entorno e, de tão focado na jogada, esqueci até do placar do jogo. Não recomendo, mas deu tudo certo. A medalha mesmo não veio, mas veio algo maior e inimaginável: o troféu. Que loucura!
Antes da final feminina de Roland Garros, no mês passado, o processo de aquecimento de cada atleta era bem diferente. Ambos necessários para elas. Perguntado sobre como uma das atletas poderia estar tão leve e rindo neste momento de concentração, Fernando Meligeni foi cirúrgico. “A atleta está brincando com a movimentação da bolinha. Perceba que ela não tira os olhos do elemento principal do jogo e é assim que ela fica imersa no clima da final.”
A potência do que ele disse mora no fato de que um ritual não serve para atletas pensarem exclusivamente no jogo, mas sim, fazer o contrário. O ritual ajuda a tirar a pessoa desse ambiente de imprevisibilidade e gerador de ansiedade que um jogo impõe.
Luiz Oliveira é jogador de 12 toques e designer, trabalha com tecnologia e se empolga com facilidade ao ver estratégias bem feitas e análises de dados. Palmeirense desde sempre, professor universitário durante sete anos, baixista e DJ por diversão, além de ser um eterno estudante que está sempre atrás de algo novo para se aprofundar.
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