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Botão_raiz

Por Márcio Bariviera (09/04/2023)

A última visita.

A casa seria vendida. Quarenta anos se passaram e a família mudaria de ares. E ele já não era mais criança, não era apenas o filho. O tempo passou e aquela criança feliz se transformou em um pai de família, que, junto com os pais, a irmã, a esposa e o próprio filho, foi fazer a última visita à casa, já que toda a mudança estava no caminhão desde o dia anterior.


Tudo lembrava coisas boas. Nada, absolutamente nada, em sua mente transportava para algo que não o fizesse bem. O quadro do Santo Anjo na parede do seu antigo quarto, a prateleira de madeira forte, robusta, que ainda resistia ao tempo, o bom e velho fogão a lenha... Tudo estava ali, fazendo parecer que quarenta anos passaram em quarenta dias.


Ele comentou com o pai que sentia saudade de três coisas: de sua Caloi Cross, que ficava guardada em um cantinho da despensa, o tubo plástico colorido que era acoplado na frente da TV preta e branca (ele sempre achou aquilo fantástico) e, claro, o assoalho da casa. Ali ele viveu os melhores momentos de sua infância jogando botão.


Foi até a sala para contemplar o local onde era o seu antigo campo. Celular na mão, fotografou tudo. De hoje em diante só restariam as recordações. Lembrou que enquanto vivia ali, ajoelhado, seu pai assistia ao Jornal Nacional e pedia que ele narrasse mais baixo os jogos.


Olhou por longos minutos cada detalhe daquele chão tão bem encerado por sua mãe. Até mesmo aquele ponto “machucado” da madeira, o qual servia como marca do pênalti. Daquela marca saíram vários gols do Zico, do Roberto Dinamite, do Neto e de tantos outros craques.


Por falar em pênalti, foi até a cozinha. O degrau de 10 centímetros que separava a cozinha da sala servia para escorar uma goleira para treinamentos de pênaltis. Sim, ele tinha uma espécie de CT naquele ambiente. Havia uma cortina que separava a cozinha da sala. Para seus pais, a cortina servia somente para isso. Porém, para ele, era um acessório que “defendia” os pênaltis que iam para fora, fossem do Zico, do Dinamite ou do Neto.

De volta à sala, observou o espaço que ficava entre o sofá e uma mesinha de canto. Era nesse cantinho que ficavam duas caixas de sapatos, transformadas em ônibus das delegações que logo estariam se enfrentando em campo. E mais ao lado, rente a uma poltrona, ficava uma caixa de papelão um pouco maior, transformada em hotel, dividida por ele em dois espaços, para que os “jogadores” descansassem para o jogo do dia seguinte.


Era hora de se despedir da casa definitivamente. Recordou detalhe por detalhe, cantinho por cantinho. Sabia que não retornaria mais ali. Os pais, a irmã e a esposa o aguardavam no lado de fora, enquanto ele estava ali, chaveando a porta, com seu filho ao lado, o qual o abordou.


– Pai, vou guardar por toda a minha vida os times que o senhor me deu. Uma pena não ter em nossa casa um ponto machucado do assoalho, também.


– Como você sabe disso?


– Porque poucas vezes vi os seus olhos brilhando tanto. Imaginei que aquele pontinho fosse importante para o senhor.


Girou a chave duas vezes na porta, abraçou o filho e chorou. Naquele momento ele sentiu na alma o que muita gente chama de felicidade.

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Marcio Bariviera

O gaúcho de Rodeio Bonito, Marcio Bariviera é gerente administrativo do União Frederiquense, clube que disputa a Série A2 do Gauchão, além de assinar uma coluna semanal no jornal O Alto Uruguai, de Frederico Westphalen-RS. Rock e futebol de botão são duas paixões desde a infância (e se puder dar palhetadas ouvindo Led Zeppelin fica time completo).

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marcio_bariviera@mundobotonista.com.br
(055) 99988-6612

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