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MUNDO BOTONISTA
Planeta Dadinho

Por Alysson Cardinali (13/03/2024)

Uma (bela) história

Querido amigo (a) leitor (a), por gentileza, pare para pensar: já imaginou um campeonato de futebol de mesa disputado por 166 botonistas, com duração de sete horas e 604 partidas em um único dia? Pois saiba que ele existe. E foi realizado domingo (10/3), no Clube dos Subtenentes e Sargentos do Exército, no Rocha, Rio de Janeiro — meca da regra dadinho no Brasil —, com a presença de 18 agremiações que, independentemente de tradição, história, conquistas ou relevância no esporte, promoveram um democrático festival de cores (nos uniformes) e paixão pela arte de palhetar.

Agora, reflita também sobre a seguinte questão: grandiosidade e gigantismos à parte, você já imaginou o quanto de história cada um desses 604 confrontos carrega? No que cada um destes duelos tem de significado para os dois reles mortais que, durante 14 minutos, buscam freneticamente o gol, a vitória, a passagem de fase para o mata-mata, um lugar no pódio ou a conquista do título — seja na categoria Adulto, Máster ou Sub-18? Pois tive a satisfação de participar deste festival, defendendo meu querido São Cristóvão. Só que minha história de reles botonista esforçado pouco merece destaque nestas parcas linhas que você lê.

A história que prefiro contar e que realmente tem relevância é a principal entre todas as outras 603 respeitáveis e admiráveis histórias que os quase 170 botonistas escreveram no belo domingo de sol do (ainda) verão carioca. Trata-se da história construída, palhetada a palhetada, gol a gol, por dois gênios das mesas: Brayner, do River, e Cleciano, do Vasco da Gama, que fizeram a final da primeira etapa do Estadual Individual (Série Ouro), no momento mais especial e aguardado do dia. Aquele jogo que todos no recinto querem testemunhar e guardar em suas retinas. Aquele momento no qual você esquece os jogos que perdeu, os carnês para pagar, as notas do filho ou as brigas com a patroa.

Afinal, chegou o gran finale. Com a resignação de não estar fazendo parte deste jogaço em busca do caneco, resta, tal qual um torcedor, vestido com a carapuça de aficionado pelo esporte que pratica e ama, se deliciar com a peleja. E que peleja! Chego a imaginar que Deus deu aos dois (e a tantos outros) amigos em ação na minha frente o dom de exibir, com categoria sutil e refinada, a arte de jogar botão. Cleciano tem a vantagem do empate e faz 1 a 0 logo no primeiro chute. Brayner não se abala. Metódico, faz suas habituais “espalhadas”, com as quais se livra da marcação acirrada do adversário, para empatar a finalíssima antes do intervalo.

No segundo tempo, tensão à parte, Brayner e Cleciano, tal qual dois lordes ingleses, palhetam com elegância, mas, acima de tudo, com respeito mútuo. Dentro de suas próprias características, buscam incessantemente a vitória. Estão, a sete minutos de escrever as suas histórias em uma competição do mais alto nível. Cleciano ajusta a marcação, sem abdicar do ataque, Brayner, que fizera 2 a 1 no reinício do jogo, segue com a habitual técnica e metodologia marcial. Agora, está um pouco mais perto do lugar mais alto do pódio. Mas é a vez de Cleciano não acusar o golpe. Com sangue frio, vestido com seu manto cruz-maltino, ele segue com seu futebol de toques precisos e ritmados. Brayner, por sua vez, trabalha as chegadas à área adversária com uma precisão que beira a perfeição. Uma final digna de prêmio (será que não poderiam dividir o título? risos). Brayner mostra que não. E faz jus àquele velho ditado de que “final não se joga, se ganha”. De frente para o gol, dentro da área, como tanto gosta, ele liquida a fatura. Faz o terceiro gol e leva mais um caneco para casa. Cleciano o cumprimenta, com a certeza do dever (bem) cumprido. Resta, então saber a história que eles têm para nos contar sobre mais uma final em suas vidas, de um confronto especial.

“Fiquei feliz de disputar uma final com um jogador completo como o Brayner. Quero parabeniza-lo pelo título, super merecido. Em jogos contra ele não se pode errar, pois ele é muito experiente e tem uma leitura absurda do jogo. Saí na frente no placar e tive chance de ampliar, mas não consegui. Quando isso acontece diante de um adversário como o Brayner, o dadinho pune. Creio que o meu maior erro foi de não ampliar o placar quando estava 1 a 0 para mim. Mas mérito total do Brayner, um grande jogador”, resume Cleciano, com a sua versão da história desta final antológica.

Brayner tem visão semelhante. “Jogar com o Cleciano é muito difícil, não à toa ele é conhecido como homem de gelo. Como se já não bastasse isso, tinha a vantagem do empate e fez 1 a 0. Tive que fazer um jogo ainda mais concentrado. Consegui o empate no primeiro tempo e virei na saída de bola da segunda etapa. Como a maioria das finais, ainda mais entre dois adversários que se conhecem muito, foi um duelo nervoso, com média de gols menor. Mas não faltaram tática e empenho em ambos os lados. Ele jogou muito bem e seria extremamente merecido, caso tivesse ganho. Por sorte minha, alguns chutes dele pegaram na trave e na ponta do meu goleiro. Eu consegui arrumar boas posições de chute para fazer 3 a 1”, resume o campeão.

Brayner e Cleciano. Dois craques, duas belas histórias de uma final equilibrada, com direito a aula de futebol de mesa. Cada um deles, se instados, teria mais 11 histórias para contar até a chegada à sonhada finalíssima. Brayner venceu oito jogos, empatou dois e perdeu dois. Fez 33 gols e sofreu 28. Cleciano obteve sete vitórias, com três empates e duas derrotas. Fez 27 gols e sofreu 17. Sem dúvida, belas histórias. Assim como, com certeza, são as demais 603 histórias, com vivências ímpares, únicas e inesquecíveis, independentemente de triunfos ou quedas. Afinal, o futebol de mesa vai além da frieza dos placares e dos retrospectos. Ele une seus adeptos a reviver, nas resenhas da vida, histórias passadas dentro e fora das mesas. Sem ganhadores ou perdedores. Apenas amigos botonistas!

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Nascido em Nova Friburgo (RJ) em 1971, mas morando há mais de 30 anos na cidade do Rio de Janeiro, o jornalista esportivo Alysson Cardinali, com passagens pelos jornais O Fluminense, Jornal dos Sports, O Dia e Expresso (Infoglobo), revistas Placar e Invicto, além do canal SporTV, é um apaixonado não só pela profissão, mas pelo futebol de botão. Praticante da modalidade dadinho, Alysson é atleta federado, pelo São Cristóvão Futebol e Regatas, na Federação de Futebol de Mesa do Rio de Janeiro (Fefumerj) e, além de disputar as competições oficiais pelo Brasil, pretende divulgar o esporte e angariar cada vez mais praticantes para perpetuar o futebol de botão entre as futuras gerações.

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cardinali@mundobotonista.com.br

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