Painel  do Mundo

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MUNDO BOTONISTA
Tá no filó

Por Giovanni Nobile (17/03/2024)

Cá com meus botões, coração selvagem.

Presentemente, eu posso me considerar um sujeito de sorte. E tenho comigo pensado que já não posso sofrer no ano passado. Há tempo, muito tempo, aquela casa já não é mais a mesma. O filtro de barro já não existe, assim como aquela geladeira marrom, o tapete e a capa do botijão de gás feitos de crochê e o calendário do mercadinho do bairro na parede, com o ar da tarde que parecia que o tempo estava parado e que nada mais aconteceria, a não ser esperar o pão caseiro sair do forno, para a vó chamar para comer uma fatia com manteiga e tomar um chá de hortelã naquele conjunto de xícara e pires duralex. O tempo é uma coisa inventada e, mesmo assim, ele é a maior realidade que temos. E passa. Naquela época, eu achava que ele ainda não corria tanto. Por isso, pontos e vírgulas eram menos necessários.

Meu time de botão era uma coisa inventada. Ele era a maior realidade que existia. E eu nunca quis que aquelas tardes de sábado de jogos de botão espalhados pelo chão de taco passassem. Hoje, as pausas deveriam ser mais valorizadas. Elas são mais raras. O futebol de botão driblava o tempo. Quem via de fora, via um tempo parado. De dentro, a cada palhetada, a intensidade da partida eletrizante se fazia em movimentos. Eu lembro, a pia da cozinha tinha uma cortina em vez de uma porta. Lá estavam as panelas, mas também as caixas de fósforo. Na verdade, era ali a concentração dos maiores goleiros dos meus times de futebol de botão. As caixinhas... goleiros ficavam guardados atrás dos potes coloridos. Eu, com meus botões, pensei que aquelas tardes de sábado seriam eternas. Era uma alucinação de que o tempo estava estacionado. 

Viver é melhor que sonhar e o amor é uma coisa boa. Mas o sonho de um jogo de botão era o amor ao jogo, ao futebol raiz, num tempo em que não sabíamos ainda que palhetar era um movimento de resistência, um não ao futebol moderno. Mas já dizia Galeano (o Eduardo, uruguaio)... naquele tempo, cada jogador era um verdadeiro anúncio que corria pelo campo. Mas eu amava o passado e não via que o novo sempre vem... Hoje meu tabuleiro está parado. Preciso tirar o pó, abrir a caixa, achar as bolinhas. Parar o tempo e mover o jogo. Eu li, na parede de um boteco, uma frase que dizia que "meu coração é um bar vazio tocando Belchior". Penso que essa seria uma boa trilha sonora para um jogo de futebol de botão num Xalingão. O tempo passa... e às vezes pode ser que faça doer. Mas, meu bem... mas quando a vida nos violentar... Pediremos ao bom Deus que nos ajude... Falaremos para a vida:

"Vida, pisa devagar, meu coração, cuidado, é frágil".

Giovanni Nobile

Giovanni Nobile é jornalista e fundador do Águia Branca Futebol de Mesa (time que nasceu nas quadras de futsal em Santo Antônio da Platina, no Paraná, fez um jogo em 1997, ganhou, e se orgulha de ser o time há mais tempo invicto no mundo - tudo bem que nunca mais jogou, mas essa é outra história). Seu melhor resultado nas mesas foi um vice-campeonato de etapa na série extra da Liga União, cuja medalhinha tem guardada até hoje. Há mais de 10 anos, vive em Brasília. Por aqui, traz crônicas aos domingos sobre o nosso Mundo Botonista.

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nobile@mundobotonista.com.br

(061) 98105-0356

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