Painel do Mundo
Por Sergio Travassos (12/05/2025)
Laços

Um dia desses, estava a conversar com a minha amada esposa, numa manhã, a degustar um bom café em casa. Enquanto os "passarin" passarinhavam numa cajarana sacudida pela gostosa brisa matinal, conversávamos numa prosa para mais de metro. Entre uma mordida numa comidinha da terrinha e um gole de café. Um sem-número de assuntos fluíam. Acabamos por debater filosoficamente sobre os nossos laços. Dentre eles, os de amizade.
O que leva alguém a criar laços com um e não com outro, por exemplo. Em dado momento, ela disse-me que não compreendia, mas que também admirava, a minha capacidade de criar laços reais e sólidos com tantas pessoas de tantos lugares e culturas diferentes. Muitas pessoas são por conta do trabalho, mas a imensa maioria, expliquei-lhe, adivinda do botão.
Ela até, conhece alguns dos amigos de terras distantes, apenas pelos assuntos debatidos ou pelo jeito de me dirigir a eles por telefone. Alguns, consegui apresentar a ela. Outros, recepcionei em Recife ou São Paulo, seja para um belo passeio, seja para uma entrega de encomenda, um presente ou para não deixar o camarada sozinho, por horas, no aeroporto ou na rodoviária.
Lembro-me bem das agradáveis horas que passei com o dono desse canal, o Jeferson Carvalho, quando ele conseguiu um tempinho após exaustivo trabalho em Caruaru. Ele e a sua fiel trupe passearam comigo por Porto de Galinhas, Olinda e Recife Antigo. Gerando conexões e conversas criativas. Noutra vez, com menos tempo, diga-se, conseguimos conversar em São Paulo, bem como em Londrina. Aconselho a todos disporem de um tempinho aos colegas que se tornarão amigos do botão e, depois, da vida.

Já soube de gente que, com recursos para viajar de avião e hospedar-se no hotel da competição, abdicou disso para dividir um ônibus e um hotel mais distante do local do evento, apenas por esse laço de amizade. Há outros que realmente bancam inscrição e tudo o mais – quase um patrocínio, simplesmente pelo prazer da convivência. Quantos são os times comprados e presenteados, como um recado concreto de que o laço invisível existe.
O engraçado é que iniciei os meus primeiros diálogos do futebol de mesa nos idos de 87. Era uma carta aqui e outra ali ou, em raríssimos momentos, por DDD. Algo caríssimo e, portanto, bem mais raro de ocorrer. A tecnologia evoluiu e, hoje, temos uma conversa num instante, em várias redes possíveis. Mesmo que de forma fria, as redes aproximam os que desejam se aproximar. E, de maneira rápida, expandem as possibilidades de criar laços de amizade. Algumas sazonais, mas outras vezes, perenes, e que ultrapassam as mesas, regras, clubes, palhetas ou materiais para a produção dos botões. Ultrapassam o tempo e a geografia.
Acredito que, inclusive, o tempo ajuda a perceber as conversas e as pessoas que serão mais presentes em nossas vidas. E, quando percebemos, estamos sendo apresentados aos familiares, trocamos presentes, boas energias e lembranças vão sendo criadas. Ajudamos e somos ajudados. Realmente nos importamos e sentimos-nos acolhidos, mesmo com diferentes olhares sobre os mesmos assuntos, uma afinidade surge e fortalece.

No entanto, a velocidade das redes e das pessoas inseridas em um sistema social que não nos deixa muito tempo para contemplar os pequenos detalhes da vida real, e também virtual, corrompe a nossa percepção. Poucos são os que percebem o quão sensíveis são os colegas de clube ou de outros estados. Justamente essas pessoas sensíveis são as que têm menos sensibilidade para perceber ou ter empatia com o que ocorre à sua volta. Sinto que quase todo sensível é insensível. E o é por estar tão envolvido com o que sente do que com o que faz sentir.
Com isso, precisamos estar atentos para o que, em um futuro próximo, virá a ser uma nova amizade. Quanto mais converso com os mais próximos amigos oriundos do botão, mais percebo um sentimento comum: todos amam competir, mas amam ainda mais o reencontro. Isso ratifica que o futebol de mesa é mais do que um lazer ou uma competição. É um meio extraordinário para que afinidades sejam cultivadas e diferenças sejam equalizadas de forma harmoniosa.
Talvez as nossas mulheres não consigam compreender o quão forte pode ser uma amizade advinda de um jogo por causa dos mais de quatro mil anos de opressão que sofrem. No entanto, mesmo sem essa compreensão, com o tempo, percebem o tanto de importância e beleza que é, também, a amizade que surge de um jogo, um campeonato, mesmo que a milhares de quilômetros de distância. Para mim, sozinho e solitário em São Paulo, esses laços são um bom combustível para continuar. Cultivem os seus laços.
Sergio Travassos é diretor do Santa Cruz F.C. há doze anos, jornalista com outras duas formações, Educação Física e Marketing, que atua há muito tempo em prol do desporto pernambucano. Tendo passagens pela Federação Pernambucana e CBFM. Sendo uma das figuras que mais defende o jogo de futebol de mesa, independente da regra de atuação, bem como que as competições sejam feitas em locais públicos, visando atrair mais visibilidade para o futmesa.
....................................
travassos@mundobotonista.com.br
(081) 97100-2825